Nootrópicos (parte 1) - a empreitada milenar por um cérebro melhor
“O homem não irá esperar por milhões de anos até que a evolução o ofereça um cérebro melhor”
Tradição milenar: melhorar o cérebro
Não é novidade a ambição humana por ampliar suas capacidades mentais, nem seu desejo de transpor os limites impostos pela natureza.
Aumentar o alerta e melhorar o foco. Combater a exaustão mental durante um trabalho prolongado. Tornar o raciocínio mais claro. Processar informações com mais agilidade e precisão. Ampliar a capacidade de memorizar informações. Recordar-se mais facilidade do que aprendeu. Potencializar o rendimento em várias tarefas intelectuais.
Todas essas são aspirações que acompanham a espécie humana há milênios - algumas quase tão antigas quanto a própria Humanidade.
A história é repleta de exemplos dessa caça por melhor desempenho intelectual. A história se repete de continente para continente: em cada cultura, havia um fascínio por determinada planta ou erva que turbinava a mente de alguma forma.
Por aqui no Brasil, os povos indígenas já tradicionalmente usam o guaraná como revitalizante para o corpo e mente.
Do outro lado do planeta, na China, uma erva chamada Panax ginseng é reverenciada como tônico físico e mental. Escritos de 5000 anos atrás já pregavam que o ginseng “beneficia o raciocínio”.
Já bem longe, na África do Sul, nativos adoram há milênios a planta Sceletium tortuosum. Eles dizem que, após mascá-la, sentem a mente serena e focada. Quase a mesma razão pela qual monges budistas cultuam há séculos o chá verde. Para eles, a bebida é aliada da meditação por produzir uma sensação de tranquilidade e concentração.
“O uso contínuo por uma semana melhora a memória, leva a uma expansão das faculdades intelectuais”, alega um escrito antigo da Medicina Ayurvédica, da Índia. O texto fala sobre uma planta chamada Bacopa monnieri. “Na segunda semana de sua administração, a Bacopa revitaliza memória antigas e esquecidas no usuário e contribui à sua proficiência na escrita de qualquer livro...”.
O melhor exemplo da nossa atração por substâncias que melhoram o desempenho mental talvez esteja correndo em suas veias agora mesmo. Falo da cafeína – simplesmente a droga psicoativa mais consumida do mundo.
Parte disso é porque o café, veículo mais famoso da cafeína, é uma delícia. Mas o encanto universal tem muito a ver com o fato de que a cafeína espanta o sono, nos permitindo manter a disposição, atenção e bom-humor no nosso trabalho. Exemplo disso é que 73% dos estudantes de Medicina de duas universidades da Itália relataram ter usado café nos últimos 30 dias com o propósito de melhorar as funções cognitivas.
A busca moderna por uma droga da inteligência
Seleção artificial
A questão é que a ânsia por “um cérebro melhor”, como define a citação no início deste texto, ganha um novo capítulo. Primeiro, a vida moderna exige um cérebro afiado como nunca antes.
Como descreve uma publicação científica na ACS Chemical Neuroscience, “um mundo cada vez mais complexo exerce cada vez mais pressões nas funções cognitivas – funções que evoluíram para um ambiente fundamentalmente diferente”.
Explico: a depender da sua ocupação, sonhos ou ambições, você pode cobrar de si mesmo a capacidade de escrever textos bem articulados e coesos, ou compreender textos excessivamente técnicos. Ou, em sua rotina, precisa ter agilidade e precisão com a aritmética, ou manter sua motivação e produtividade em alta mesmo com o excesso de estresse, ou deve permanecer atento por horas a fio em aulas e palestras, ou quem sabe necessita armazenar e compreender um volume grande de informações...
Os seus ancestrais não enfrentavam essa longa lista de cobranças intelectuais. Herdamos um cérebro que evoluiu para lutar na sobrevivência das savanas. Só que a luta de hoje, nas selvas de pedra, é diferente. “A vida diária numa sociedade da informação e economia pós-industrial requer habilidades cognitivas que devem ser adquiridas por meio de processos de educação e treinamento que são lentos, caros e que exigem esforço. Da mesma forma, essas habilidades podem se tornar obsoletas conforme o mundo muda cada vez mais rápido”, descrevem os cientistas na ACS.
O mundo de hoje exige desempenho cognitivo – que envolve percepção, raciocínio lógico, juízo, imaginação, concentração, processamento e associação de informações, memória e aprendizado. Seja na disputa por uma cadeira num curso universitário concorrido, ou então na competição pelo emprego dos sonhos por meio dos concursos públicos. Há uma pressão moderna nas nossas habilidades cognitivas.
“Esses desafios dos nossos tempos tem alimentado a exploração de estratégias para melhorar a função cerebral humana normal”, citam os cientistas. Esse é o segundo ponto: surgem tecnologias que prometem responder aos desafios e anseios do homem moderno por um “cérebro melhor”. A ciência tem mapeado o papel de nutrientes específicos na cognição; além de investigar a eficácia de ervas e plantas tradicionalmente usadas para beneficiar a mente, bem como de medicamentos sintéticos.
Um boom de conhecimento acumulou-se nas últimas décadas em torno do tema. Isso também motivou o crescimento do transhumanismo, um movimento intelectual e cultural que apoia o uso da ciência e da tecnologia para melhorar as características e capacidades mentais e físicas do homem.
A frase que escolhi para abrir o capítulo – “o homem não irá esperar por milhões de anos até que a evolução o ofereça um cérebro melhor” – traz uma posição transhumanista.
Essa citação é de Corneliu Giurgea, um químico e psicólogo romeno.
Mas ele fez mais do que escrever frases impactantes. “Giurgea propôs o conceito de drogas capazes de promover, melhorar e proteger a função cognitiva, chamadas por ele de drogas nootrópicas”, explica um artigo que estuda o tortuoso conceito e história dos nootrópicos.
Nootrópicos — as drogas do século 21
Giurgea, químico ousado, sugeriu criar uma nova classe de drogas: os “nootrópicos”
Giurgea elaborou o conceito de nootrópico a partir da criação de um medicamento chamado piracetam. Em testes com animais, o piracetam mostrou um efeito positivo na memória e o aprendizado. A droga ainda parecia neuroprotetora: o piracetam revertia, em ratos, a amnésia provocada por eletroconvulsoterapia e falta de oxigênio.
Ao mesmo tempo, o piracetam se distanciava de drogas como a cafeína, anfetaminas e o metilfenidato (Ritalina). Esses fármacos também afetam as funções cognitivas, mas são estimulantes do sistema nervoso central e causam muitos efeitos colaterais. “Em contraste, o piracetam é um composto atóxico, que mesmo em doses altíssimas, não interfere em funções autônomas, o comportamento em geral, nível de vigília, emoções, etc.”, escreve Giurgea. Uma droga limpa, que tem como alvo a mente.
Diante de uma substância que considerou inovadora e distinta, Giurgea propôs o termo “nootrópico”, que vem do grego noos (mente) e tropein (em direção a). Para ele, uma droga nootrópica deve atender a critérios como:
Melhorar o aprendizado e a memória
Aumentar a resistência de comportamentos aprendidos e memórias contra condições aversivas
Proteger o cérebro de vários agentes físicos ou químicos
Não ter características típicas de drogas psicotrópicas (como sedação ou estimulação motora) e possuir pouquíssimos efeitos colaterais e toxicidade extremamente baixa.
“Como a cognição é a atividade mais superior do cérebro humano, o conceito de nootrópico pareceu muito atrativo para as inúmeras pessoas sonhando em desfrutar de uma atividade mental melhor e mais prolongada”, analisa um pesquisador.
Nootrópicos e smart drugs — definições borradas
Fronteiras conceituais entre nootrópicos e smart drugs: bordas cada vez mais esfumadas
O termo “nootrópico” tem sido usado de forma mais ampla. “O termo ‘nootrópicos’, a princípio, referia-se a fármacos que atendiam a critérios específicos. Mas hoje é usado para referir-se a qualquer substância natural ou sintética que possa ter um impacto positivo nas habilidades mentais”, observa o WebMD.
Um artigo afirma: “nootrópicos, pela definição mais ampla, podem também incluir compostos psicoativos bem-aceitos [socialmente], como bebidas cafeinadas e bebidas energéticas”.
Contudo, a cafeína tem efeitos estimulantes bem claros. Sua toxicidade é alta – uma dosagem um pouco mais alta, como 400 mg, já causaria taquicardia, tremores e ansiedade. Não atenderia aos critérios estabelecidos por Giurgea. “Portanto, é abusivo chamar vários estimulantes cerebrais de ‘nootrópicos’, como por exemplo as anfetaminas, que melhoram a cognição, enquanto tem efeitos tóxicos”, observa um pesquisador.
Esses estimulantes cerebrais têm sido apelidados por alguns de ‘smart drugs’ (drogas inteligentes). Não há uma lista oficial ou consenso sobre quais substâncias configuram um ‘nootrópico’ de fato e quais seriam uma ‘smart drug’.
Nootrópicos funcionam?
Expectativas devem ser mais modestas do que hollywoodianas
Bradley Cooper estrela no filme Sem Limites como Eddie Morra, um escritor frustrado que encara bloqueios criativos para colocar suas ideias no papel. Sem emprego, sem namorada e sem perspectiva de futuro, Eddie sentia-se um fracassado.
A reviravolta é quando Eddie experimenta uma nova droga chamada NZT-48 que, na ficção, lhe permite usar 100% do seu cérebro (nota: na realidade, usamos todo o nosso cérebro). A pílula ativa todas as lembranças do que ele já leu, ouviu ou via em toda a sua vida; permite-lhe aprender línguas, fazer cálculos complexos e ler e escrever à jato. Com a substância, Eddie chega ao topo do mundo financeiro.
Sinto muito, mas essa é apenas mais uma fantasia hollywoodiana. Nootrópicos podem beneficiar algumas habilidades mentais, mas não te
transformarão num Einstein. Chris D’Adamo, PhD, diretor de pesquisa e educação no Centro de Medicina Integrativa da Universidade de Maryland, concorda. Ele não pensa que nootrópicos darão a alguém poderes de um super-humano, mas acredita que eles têm o potencial de oferecer uma vantagem para algumas pessoas.
“A maioria das pessoas que almeja otimizar a função cognitiva vai se dar melhor focando em obter sono suficiente, comer uma dieta densa em nutrientes e gerenciando seu estresse”, diz Chris D’Adamo. Porém, se você já cultiva esses hábitos, D’Adamo afirma que os nootrópicos certos podem servir como um bônus, lhe ajudando a pensar com mais clareza e perspicácia ou a reduzir suas chances de declínio cognitivo conforme você envelhece.
É impossível julgar a eficácia dos nootrópicos como um grupo. Deve-se analisar o que a ciência constatou sobre a eficácia de cada substância individualmente. Por exemplo, muitos trabalhos demonstraram que a planta indiana Bacopa monnieri poderia melhorar a memória, ou que a l-teanina, aminoácido encontrado no chá verde, poderia aumentar o foco. Outras substâncias foram pouco avaliadas, como o piracetam e a vimpocetina. Outras ainda apresentam resultados inconsistentes, como o Ginkgo biloba.
Nootrópicos são seguros? Quem pode usar?
Cuidado individualizado e orientação profissional são essenciais
Também não há sentido em falar da segurança dos nootrópicos como um todo. Como nesse grupo existem tantas substâncias diferentes, deve-se analisar cada uma. Algumas têm um selo de segurança do FDA – o equivalente a Anvisa, nos EUA – como o ômega 3, l-teanina e fosfatidilserina.
Outros têm um uso milenar e bom perfil de segurança em ensaios clínicos.
No entanto, você deve sempre consultar um médico.
Isso vale sempre: “Se você está considerando tentar suplementos nootrópicos, você deve discutir a respeito com seu médico primeiro. Como ocorre com todos os suplementos, é melhor que você permita seu médico te deixar ciente sobre quaisquer riscos à saúde, como efeitos em doenças que você tenha ou medicamentos que você já use”, diz artigo do WebMD.
Não há especialidade médica que trabalhe exclusivamente com nootrópicos – termo, inclusive, ainda muito pouco conhecido, difundido ou aceito entre médicos brasileiros. Nutricionistas também podem prescrever suplementos alimentares, e dependendo de sua formação, fitoterápicos. Isso dependerá da avaliação do profissional.
Em suma, apenas um profissional da saúde poderá fornecer orientações personalizadas, por considerar e respeitar a individualidade de cada um. Não use suplementos e especialmente medicamentos por conta própria.
Como os nootrópicos agem no cérebro?
Mas como os nootrópicos e outras substâncias podem influenciar o humor, raciocínio e a capacidade de aprendizado? Cientistas têm algumas pistas. Eles apontam diferentes mecanismos de ação para diferentes nootrópicos. Em linhas gerais, os efeitos cognitivos e emocionais dos nootrópicos e “drogas inteligentes” são explicados por ações como:
Alteração dos níveis de neurotransmissores
Os neurônios do cérebro trabalham em equipe. Ao formar uma grande rede, eles regulam o humor e as funções mentais, como analisar, processar, arquivar e recuperar as informações que recebemos a todo o tempo. Para isso, os neurônios precisam se comunicar. Quem garante esse bate-papo são mensageiros químicos chamados de neurotransmissores.
Pombos-correio
Eles agem como pombos-correio que voam de um neurônio para outros transmitindo “recados”. Os neurotransmissores regulam várias funções mentais. Um exemplo é a dopamina, que coordena a motivação, concentração e as funções executivas (como planejamento e tomada de decisão).
Nootrópicos podem interferir nesse processo. Um exemplo: a l-tirosina, um aminoácido, é crucial para a fabricação de dopamina. Segundo cientistas, situações de estresse podem esgotar as ‘reservas’ de dopamina.
Sem ela, os neurônios teriam mais dificuldade para garantir o foco, gerenciar as funções executivas e nos manter motivados. Nesses casos, suplementar a l-tirosina poderia ajudar a restaurar os níveis ótimos de dopamina e, com isso, a manter essas funções intelectuais, segundo pesquisadores.
Da mesma forma, uma vitamina chamada colina é usada para fabricar a acetilcolina, um mensageiro químico que nos ajuda a armazenar as informações que aprendemos. A planta Bacopa monnieri reduz a quebra de acetilcolina, de modo que os níveis desse neurotransmissor aumentem.
Porém, é importante lembrar que o cérebro precisa de equilíbrio.
Tanto excessos quanto deficiências de neurotransmissores podem ser ruins para o desempenho intelectual.
Melhora do metabolismo cerebral:
O cérebro representa cerca de 2% do peso corporal, mas consome 20% da energia do corpo. Neurônios precisam de muito oxigênio, glicose e nutrientes para manter sua atividade. Acredita-se que alguns nootrópicos dariam suporte extra a esse metabolismo acelerado, por exemplo, ao melhorar o fluxo sanguíneo ao cérebro, a microcirculação ou a produção de energia nas mitocôndrias. É o caso do cacau, por meio dos seus flavanols, por exemplo.
Efeitos anti-inflamatórios e antioxidantes:
Um “efeito colateral” do metabolismo acelerado do cérebro é o estresse oxidativo. Substâncias oxidantes chamadas radicais livres podem danificar estruturas dos neurônios. O cérebro é um órgão particularmente sensível ao estresse oxidativo. A inflamação crônica também poderia prejudicar o humor e o desempenho intelectual.
Os potenciais benefícios ao cérebro de muitos fitoterápicos são muitas vezes atribuídos às suas propriedades antioxidantes e anti-inflamatórias, como ocorre com o Pycnogenol, um extrato de um pinheiro francês.
Melhora da comunicação entre neurônios:
Fertilizando sinapses
Cientistas apontam que certos nootrópicos favorecem ou facilitam as sinapses – as conexões entre os neurônios. A construção de sinapses é crucial para o aprendizado.
Quanto mais robusta e eficiente uma rede sináptica, mais intensamente ela registrou uma informação.
Alguns nootrópicos poderiam aumentar os níveis de BDNF, um fator de crescimento que estimula a criação de novos neurônios ou a construção de novas sinapses. Outros melhorariam a estrutura ou a função da membrana plasmática, uma substância que reveste neurônios e que é fundamental para a comunicação entre eles. Esse mecanismo é apontado, por exemplo para a fosfatidilserina, um suplemento alimentar e neuronutriente.
No próximo post: nootrópicos específicos
Esses quatro mecanismos - neurotransmissores, metabolismo cerebral, proteção antioxidante e comunicação sináptica - formam o arsenal teórico dos nootrópicos. Mas teoria é uma coisa, prática é outra.
A pergunta que realmente importa não é "como funcionam?", mas sim "funcionam mesmo?". E para quem? Em que doses? Com que evidências?
É isso que veremos no próximo post: uma análise crítica de substâncias específicas, começando pelos neuronutrientes - os blocos básicos de construção que seu cérebro precisa para funcionar. Sem hype, sem promessas miraculosas, apenas o que os dados científicos realmente mostram.
Prepare-se para descobrir que alguns "super-alimentos" são superestimados, enquanto nutrientes desprezados podem ser genuinamente úteis. A realidade, como sempre, é mais nuançada que o marketing.